quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Qual é o seu talento?

Tenho uma grande amiga escritora chamada Aline Valek. Desde que a conheci e comecei a conviver com ela, sempre foi uma fonte de inspiração absurda. Vejo que apesar de achá-la talentosa e extremamente competente na arte de construir textos de forma envolvente e provocante, percebi que todo esse processo de esforço, nada mais é do que muita dedicação e horas de TBC - Tempo de Bunda na Cadeira (aprendi esse termo recentemente com um professor e resolvi adotá-lo).

E recentemente ela escreveu um post em seu site (no qual recomendo muitíssimo a leitura) que falava de forma provocativa que ela não acreditava em talento (você pode conferir este post aqui) e que não se identificava com a ideia "mística" que damos a quem "leva jeito" para algo. Como se além de uma predisposição (ou não), não houvesse também ali horas de dedicação para se chegar a um nível de excelência.

Como de costume em seu site, Aline conseguiu provocar diversos leitores que começaram a comentar em sua página no facebook (também vale conferir, aqui) falando sobre a predisposição genética que as pessoas podem ter. Até aí tudo bem, também acredito nisso e a própria Aline fez um adendo no post falando sobre isso e reconhecendo esta questão sem deixar de enfatizar que a prática, essa sim, te leva a uma qualidade próxima de você poder ser chamado de talentoso. No vídeo abaixo faço a seguinte pergunta: São todos apenas talentosos ou associaram talento à uma prática constante para chegarem nesse nível?



Mas o que mais me impressionou foram alguns comentários que denunciam algo que vejo diariamente na Educação Física e no trato com esportes. Dois comentários em especial me chamaram muito a atenção. Uma dizia que talento existe sim e dava o exemplo do cantar. Que ela nunca, de maneira alguma, mesmo que treinasse durante anos, ela conseguiria cantar como a Whitney Houston. E em outro comentário um rapaz falava a favor da "loteria genética" e dizia que não dava para esperar que um anão fosse o melhor jogador de basquete do mundo.

Vocês conseguem perceber do que esses dois comentários falam? Eles falam de padrões que saem da busca pessoal. Em um primeiro momento a moça que cita a Whitney Houston como padrão, desconsidera qualquer evolução pessoal que ela pudesse ter com sua dedicação, pois nunca chegaria a ser como sua referência musical, no caso a Whitney. E o outro, simplesmente nega que um anão possa ter acesso à prática de uma modalidade, pois ele já está descartado de ser o melhor do mundo. Como se para praticar esporte, uma das principais válvulas motivadoras fosse ser o melhor do mundo e caso isso não fosse possível de ponto de partida, não seria então motivador ou não teria propósito, como se fosse perda de tempo.

O que vejo nessas duas falas me faz arriscar a dizer que são produtos de um forte e impregnado senso comum que habita o imaginário coletivo. Senso comum baseado numa cultura que prega que fazer o que te dar prazer não tem sentido caso você não se destaque.

É claro que preocupar-se e querer destacar-se é mais do que que aceitável e humano até. Quando começamos a aprender algo, uma das molas propulsoras que mais no mantém conectado com o aprendizado é a chance de ficar melhor (mais habilidoso) em tal atividade. Mas dizer que a única possibilidade de desenvolvimento é a de ser top, melhor do que todos os outros, é realmente grave e é o que mais vejo de preocupante em minhas aulas. É muito comum receber alunos novos com o discurso de que não levam jeito para determinada atividade. Eu sempre tento levá-lo a pensar que se ele acredita que não leva jeito para tal coisa, talvez seja esta atividade a indicada para ele praticar, já que terá a chance de evoluir, desenvolver, aprender. Claro, desde que seja uma atividade em que ele veja sentido, possibilidades e se envolva por interesse próprio.


Mas o que vemos por aí não atinge esse campo. São pais dizendo aos seus filhos ainda quando criança que precisam conquistar melhor nota da sala (e desde quando a nota garante a você sucesso absoluto?), que quando pintam um sapo de vermelho está errado, pois sapo é verde e assim você não vai chegar a lugar algum. E assim vamos passando a ideia de que nos desenvolvemos apenas para ser o melhor. E por isso existem tantas frustrações hoje em dia. Tanta gente achando que falhou porque acreditou que sua referência estava fora de si mesmo, em padrões ditos a ele, visto na tv ou que nos fazem acreditar no dia a dia, quando o que deveria se preocupar era de fazer o melhor que pode, o tempo todo. E dessa forma, se avaliar, reavaliar e cada vez mais descobrir seus potenciais, limites e ir se aventurando nesse mundo de possibilidades que a vida nos oferece.

Acreditar que o "topo" está reservado apenas para os "habilidosos natos" é uma forma de se sabotar e explicar nos outros muitas vezes o que não se permitiu ou o que não se tentou fazer. Há espaço para todos, em diversos níveis, desde que o foco seja a própria evolução, ser melhor do que já foi um dia. Nos 15 anos que trabalho com iniciação de basquete, poucos atletas com que trabalhei tiveram a chance de se tornarem profissionais, considerado o topo da modalidade. Mas tenho uma alegria de saber que muitos em sua grande maioria levaram os aprendizados para seus níveis e conseguiram praticar a modalidade onde melhor se adequaram: Seja numa equipe de alto rendimento, seja jogando campeonatos da escola, na universidade, seja um praticante consciente do jogo pra apenas bater aquela pelada com os amigos. O que quero dizer aqui é que o aprendizado fica, te acrescenta, te faz evoluir e saber que muitas das habilidades que temos são frutos de esforço, repetição e reflexão sobre o que e como estamos fazendo, é se dar a chance de se conhecer melhor e assim, aprender que você pode adquirir novas habilidades, baseadas nas suas qualidades, nas suas limitações, mas que você é capaz de desenvolver-se.

É triste as vezes ouvir ex atletas ou pais de atletas dizerem que o filho se dedicou tanto para nada. Como se houvesse apenas um único fim em nossos propósitos. Posso não levar jeito para ser uma estrela do rock, mas posso tomar vergonha na cara(deveria pelo menos, ainda tenho esperança!) de fazer aula de guitarra e tocar as músicas que mais gosto.

Pare pra pensar em como muitas vezes você deixa de vivenciar algo novo, pois explicar que nunca levou jeito para tal coisa. Hoje em dia nas empresas estamos vivendo uma era em que as pessoas não podem mais ficar estacionadas em seu setor e na sua "caixinha" de conhecimento pra sempre. Muitas vezes é mais valorizado aquele que tem a capacidade de reciclar-se, reinventar-se e redescobrir-se (algo sobre isso aqui). Essas lições podem ser facilmente aprendidas no esporte quando garoto. Eu pelo menos tenho tentado mostrar isso aos meus alunos. Que os aprendizados tidos ali na quadra, podem ir para muito além dela. E que talento só terá sentido se for associado à muita prática.



Quando vemos um vídeo como esse acima, de uma cara considerado gênio pela maioria e descobrimos em seu discurso que ele se aproveitou das oportunidades que teve para "construir seu talento", acho sinceramente que devemos começar a pensar qual o talento que estamos construindo para nós mesmos.

Certamente vale a reflexão.

Abraço a todos!




Um comentário:

Unknown disse...

Concordo com seus argumentos, porém negar que o talento existe é uma grande ilusão. Gostemos ou não ele existe. O que não podemos é alegar que não temos talento para deixar de realizar algo, já que a pratica é fundamental tanto para aqueles com talento nato, quanto para aqueles que precisam desenvolve-lo.